O futuro da cidadania italiana por sangue: tradição em jogo e olhos voltados à Justiça
O direito à cidadania italiana por sangue, reconhecido há décadas como um elo legítimo entre descendentes e suas raízes, está sendo colocado à prova em um dos momentos mais decisivos da história recente da Itália. Pela primeira vez, o princípio do ius sanguinis é debatido na Corte Constitucional italiana, com a possibilidade de mudanças profundas que podem impactar milhões de ítalo-descendentes ao redor do mundo.
Um debate que ultrapassa as fronteiras da Itália
O que está em jogo não é apenas um critério jurídico. É uma questão de identidade, pertencimento e reconhecimento histórico. Ser italiano não se resume a ter documentos oficiais; é carregar no sangue, na cultura familiar e na memória afetiva um legado construído por gerações.
É justamente essa dimensão simbólica que está sendo defendida nos tribunais. E o tom do debate mostra isso: juristas, associações e descendentes se uniram para proteger não apenas um direito, mas uma herança.
Por que essa discussão ganhou força agora?
Tudo começou com questionamentos levantados por quatro tribunais italianos sobre a Lei nº 91/1992, que rege a cidadania. Esses questionamentos ganharam mais destaque após a publicação do Decreto-Lei nº 36/2025, que propôs possíveis alterações nos critérios de concessão.
Na prática, a Corte agora analisa se o direito à cidadania por sangue pode ou não ser restringido. A decisão ainda não foi tomada, mas a movimentação já acende alertas e mobiliza comunidades ítalo-descendentes em vários países.
Propostas controversas e caminhos distintos
Entre as sugestões levantadas por diferentes tribunais, surgiram propostas como:
- Bolonha: restringir o reconhecimento a no máximo duas gerações, com exceção para quem reside na Itália;
- Roma: manter o reconhecimento automático para filhos de italianos;
- Milão: adotar regras semelhantes às aplicadas para cônjuges.
Nenhuma dessas sugestões se tornou lei, mas o simples fato de estarem em pauta mostra o quanto o cenário está em transformação.
A nova Lei nº 74/2025 e os riscos que ela apresenta
Paralelamente, a promulgação da Lei nº 74/2025 adicionou mais tensão ao debate. Essa nova norma introduziu critérios rígidos, como:
- Exigência de que o ascendente tenha exclusivamente a cidadania italiana;
- Aplicação retroativa das regras, cobrindo o período de 1865 a 2025;
- Potencial violação de direitos já adquiridos.
Essas mudanças estão sendo fortemente contestadas por juristas e entidades que defendem a continuidade do ius sanguinis como pilar da nacionalidade italiana.
Cidadania é sangue, mas também é laço afetivo
Associações representativas lembraram a Corte de um ponto essencial: o pertencimento vai além de papéis. Muitos descendentes, mesmo longe do território italiano, mantêm a língua, as tradições e o sentimento de ligação com suas origens.
Para essas comunidades, ser italiano é falar como os avós falavam, é cozinhar como eles cozinhavam, é sentir saudade de uma terra onde talvez nunca se tenha pisado mas que mora no coração.
É isso que transforma o ius sanguinis em algo legítimo e vivo, não apenas um dispositivo técnico.
O que esperar daqui pra frente?
Ainda não há uma decisão final da Corte, mas os sinais vindos do debate deixam espaço para otimismo. Juristas argumentam com firmeza que:
- Direitos já conquistados devem ser respeitados;
- Exigir vínculos adicionais nunca foi parte do requisito legal;
- O princípio do ius sanguinis faz parte da própria alma constitucional da Itália.
A expectativa é de uma decisão equilibrada, que considere não apenas o aspecto legal, mas também a história e o senso de pertencimento construído ao longo de gerações.
